O e-book não é um desserviço à cultura – é a solução

No Brasil, a​ única forma economicamente viável de colocar mais livros nas mãos das crianças é por meio do livro digital​
Para Matheus Perez, o e-book é a potencial solução para a falta de leitores. | © Divulgação

Para Matheus Perez, o e-book é a potencial solução para a falta de leitores. | © Divulgação

Trabalho diariamente com e-books na Árvore de Livros, uma plataforma de biblioteca digital voltada para escolas de ensino fundamental e médio, e foi com natural atenção que acompanhei a discussão em torno do artigo “Um e-book de fracasso“, publicado terça-feira passada, 21/6, na coluna do escritor Paulo Tedesco, no PublishNews. Concluí a leitura da coluna com certo pesar, não porque o autor não acredita no potencial dos livros digitais, mas porque o discurso exposto por ele repete o que muitas e muitas vezes ouvi de pequenas e médias editoras, justificando o por quê de ainda não publicarem livros digitais.Mas diferente de Tedesco, eu acredito que o ebook está longe de ser “inútil” ou um “desserviço à cultura”. Dessa forma, eu gostaria de complementar a excelente resposta de André Palme publicada no mesmo dia.

Para entender porque o e-book é importante, é necessário primeiro delinear qual o estado do mercado editorial e da leitura hoje no Brasil, e para isso nada melhor do que alguns dados já bem familiares aos editores:

  • O faturamento das editoras está estagnado há pelo menos uma década, com queda real nos últimos três anos. (Fonte: PublishNews)
  • Quase metade das livrarias estão concentradas nas capitais. (Fonte: ANL, infelizmente dados de 2011)
  • Cerca de 73% dos municípios do país não possuem livraria. (Fonte: IBGE)
  • Cerca de 64 mil escolas públicas (53% do total) não possui biblioteca. (Fonte:Agência Brasil)
  • Os índices de leitura no país são pífios. Apenas 56% da população tem o hábito da leitura. O brasileiro lê em média apenas 4,96 livros por ano. (Fonte: Retratos da Leitura)

A isso, somam-se as dificuldades de logística muito bem conhecidas pelas editoras e livrarias – em alguns municípios do país, o livro simplesmente não chega, ou pode demorar até dois meses para chegar, basta testar em qualquer loja virtual. O custo do frete para os estados mais distantes do eixo Rio–São Paulo pode chegar a um terço do valor de capa do livro.

Não é de se estranhar que com tamanha falta de acesso ao livro, o brasileiro não leia o quanto deveria, ou o quanto o mercado gostaria. Não pretendo entrar na questão cultural que nos trouxe a este estado, nem nas idiossincrasias da relação que o brasileiro tem com o livro. Em vez disso, vou focar apenas na questão do acesso.

Só existem duas maneiras (nada fáceis) de o mercado editorial sair de vez do marasmo econômico e moral em que se encontra. A médio prazo, fazer os livros chegarem a cada vez mais brasileiros, ou seja, garantir maior acesso. A longo prazo, formar mais leitores.

Nada disso que eu estou dizendo é novidade, e para fazer isso acontecer é necessário certo idealismo. Mas se não for por idealismo, por que alguém trabalharia com livros no Brasil?

Ser idealista é a única solução ante o cenário apresentado acima. Mas instalar bibliotecas e livrarias físicas é caro, e mudar os hábitos de adultos quase impossível. A solução é trabalhar as escolas. Colocar cada vez mais livros nas mãos das crianças e dos adolescentes. A única forma economicamente viável de fazer isso hoje no Brasil é por meio do e-book. O acesso à internet fixa e móvel cresce hoje mais rápido do que a construção de bibliotecas nas escolas ou a instalação de livrarias nos municípios. Segundo a Anatel, 84% dos municípios brasileiros possuem cobertura 3G.

É necessário deixar de lado a birra contra os e-books. Dadas as dificuldades apresentadas acima, a presença do livro digital nas escolas se revela uma alternativa viável (se não fundamental) para a criação de novos leitores, pois é na idade escolar que se forma o gosto pela leitura.

A presença da internet móvel e dos mais de 168 milhões de smartphones no país (FGV-SP) tornou desnecessário que as escolas tenham internet em sala de aula para que possam aproveitar dos benefícios oferecidos pela leitura digital. Afirmo isso pela experiência que tenho vivido na Árvore de Livros. Algumas das escolas que utilizam a nossa plataforma estão em comunidades periféricas e carentes, e não possuem acesso à internet. Mesmo assim, estão entre as escolas com os melhores índices de leitura dentro da Árvore. Não é difícil descobrir o por quê – em locais onde não há livrarias ou bibliotecas, os alunos vão aproveitar qualquer oportunidade de acesso à leitura que tiverem. Imagina então quando eles puderem ler o que querem na tela do próprio celular?

Mesmo entre as escolas de classe média, os índices de leitura aumentaram consideravelmente desde a adoção da leitura digital. Em um grande colégio de Curitiba, foram feitos 500 empréstimos de livros nos primeiros cinco dias desde a adoção da Árvore de Livros. A média geral de leitura de todas as escolas aumentou oito vezes dentro da plataforma no último ano.

Esses dados são animadores, e se referem apenas a uma das plataformas de leitura digital. E trata-se de uma plataforma nova, que está apenas começando a explorar todo o potencial oferecido pelas escolas brasileiras, mas mesmo assim já está formando leitores.

É por isso que posso afirmar com certeza que o e-book não é inútil, e nem é um “desserviço à cultura”. O ebook é, sim, a potencial solução para um dos principais problemas culturais do nosso país: a falta de leitores.


*Matheus Perez é responsável pelo relacionamento com as editoras da Árvore de Livros, uma plataforma de biblioteca digital que atende a escolas em todo o país, possibilitando que crianças e adolescentes tenham fácil acesso a milhares de livros. É formado em Produção Editorial pela Universidade Anhembi Morumbi e anteriormente trabalhava no PublishNews. Já passou pela SBS e pela Globo Livros, além de ter trabalhado como revisor, preparador e tradutor freelancer para diversas editoras.

Fonte: Publishnews
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